31/08/2009

agosto 31, 2009
4

Imagine a cena: você comeu algo desagradável, e esse desagradável não está se comportando como um cavalheiro na sua barriga, dando ponta-pé, roncando, entrando numa espécie de ebulição e querendo sair a qualquer custo; ou seja, você está com uma necessidade incontrolável de ir ao banheiro; nesse momento não há nada mais importante na sua vida; que explodam bombas, que caiam meteoros, que a Luciana Ximenes saiba pronunciar paralelepípedo, não importa, nada importa, você precisa ir ao banheiro, porém, entretanto,contudo, você não está na sua casa, mas num churrasco com os amigos, naquela diversão, todos cantando “Wish you were here” do Pink Floyd, ao violão, desafinados mas felizes, ou bêbados ― que diferença faz?. Então como fazer? No estado em que se encontra o seu intestino você não vai agüentar muito tempo, Que se dane! Vou ao banheiro mais próximo, você grita consigo mesmo. Não anda muito e já acha o seu banheiro. Lá você fica por alguns segundos, minutos, dezena de minutos, e acaba descobrindo que o seu infortúnio ― estou usando palavras tão eruditas para a situação ―, que o seu infortúnio ainda não acabou: ao terminar a seção de tortura intestinal você se depara com um rolo de papel higiênico estranho; primeiro acredita que aquilo são desenhos, um daqueles rolos com gravuras impressas ou algo do tipo, depois ver que é muito mais do que isso, trata-se de texto, o rolo está completamente tomado por um texto longo com o título de “Drop”.

― Mas o que é isso? ― você se pergunta, e logo em seguida começa a ler o escrito.

O texto parece interessante e vai lhe pegando, lhe dominando, lhe levando cada vez mais para dentro da história; nesse momento já esqueceu o churrasco; o conto é sedutor, sedutor até você descobrir que a história se passa num banheiro público e trata de uma superstição japonesa sobre espíritos e fantasmas que habitam os banheiros ².

― Meu Deus ― você chora ―, é um conto de terror! E eu estou num banheiro!

Sim, você está num banheiro, e só há duas coisas na vida que lhe fazem borrar as calças: anacondas e histórias de terror. Que bom que você ainda não havia vestido as calças. O conto diz que algumas das vítimas foram mortas enquanto tomavam banho, ou pior, enquanto estavam sentadas no trono – vaso sanitário, para os menos íntimos.

― Ah meu Deus ― você geme ―, preciso sair daqui, mas como vou me limpar com esse papel, como vou passar essa coisa em mim? Não, não, mamãe, tô com medo ― você parece uma bichinha de tão apavorado.
Mas o momento é de tensão. É difícil, depois de ler uma história assustadora ainda ter que fazer uso do produto onde se encontra o terror. Principalmente com a mão tremendo tanto, como controlar-se para não se sujar todo? Escatologia pura. Nesse momento você encontra, no final do conto, o nome do escritor, Koji Suzuki, e se lembra que é o mesmo autor da trilogia “Ring” que deu origem ao filme “O chamado”.

― Ah filho duma égua, não tinha outro lugar para escrever essa porcaria? ― você grita, já desesperado, ― Porco imundo! Por que eu tinha que encontrar essa droga de papel? Bosta, merda ― e por aí seguem seus xingamentos que, na verdade, têm tudo a ver com o que você está fazendo no banheiro.

Mas a vida tem que continuar e a limpeza têm que ser feita. Rezando trinta e duas “Ave-Marias”, em quarenta segundos, e dezessete “Salve a rainha”, em um minuto, você faz o Sinal da cruz, fecha os olhos, trava os dentes, pede a Deus para não deixar nenhum espírito lhe puxar pelo traseiro para dentro do vaso e termina o serviço...

Não foi tão mal. Não foi tão mal até você ouvir um ronco estranho saindo das profundezas escuras do vaso sanitário, o que lhe fez acreditar que poderia ter competido nos cem metros rasos da Olimpíada passada. Fruto da sua imaginação fértil e conturbada pelo texto; não havia nada no vaso, e você, com esse corpo de biriteiro, não seria competitivo nem em corrida de anão. Mas de quem é a culpa de tudo isso? Do seu intestino frágil e da empresa Hayashi Paper Corp que, em parceria com Koji Suzuki, bolaram essa idéia desumana de imprimir histórias de terror, sobre espíritos em banheiros, num rolo de papel; eles não sabem que algumas pessoas poderiam enfartar sentadas no vaso? Imaginem o ridículo nos jornais: “Um belo jovem, de nome Regisvaldo, morreu enquanto defecava no banheiro de amigos que se divertiam num churrasco”. Só em ver minha morte ligada à palavra “defecava” já me causa depressão. Onde esse mundo vai parar, se um homem sensível não pode nem mais fazer suas obras em paz?




¹ Os personagens e os fatos apresentados nessa história são fictícios, mas o papel higiênico com conto de terror é verdadeiro, inclusive o nome do conto com o espírito que habita a privada e o autor do texto. O escritor e a indústria japonesa citada acima conceberam esse papel como forma de divulgar a Literatura. O que você acha? Gostou da idéia? Se gostou, não perca tempo, encomende o seu e tenha bons momentos no banheiro, a diversão custa cerca de US$ 2 por rolo.
² Notícia veiculada pela BBC Brasil.
Imagem: Divulgação

4 comentários :

  1. Pior que um conto com anacondas só mesmo um conto de "como o casal se conheceu" no papel higiênico de um casamento que eu fui aqui na Espanha...

    ResponderExcluir
  2. Fernanda,

    Deve ter sido muito romântico.

    ResponderExcluir
  3. matheus lopes gomesabril 19, 2010 10:32 PM

    Isso tocou meu coraçaão! <3

    ResponderExcluir

Voltar ao topo