04/05/2013

maio 04, 2013
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No mundo que se apresenta a nós, amantes da Literatura, e para aqueles que ainda não se enamoraram dela, uma pergunta possivelmente já esteve no ar, já angustiou ou simplesmente pairou pela mente: afinal, Literatura para quê? Pergunta que intriga e, algumas vezes, fere os ouvidos apaixonados por essa arte.

Consciente disso, Antoine Compagnon, no mais que ilustre Collège de France, fez deste tema a indagação que norteou sua aula inaugural na instituição, assim como todo o seu curso, no qual procurou responder a essa perturbadora pergunta. A aula inaugural posteriormente transformou-se no pequeno livro que hora comentamos (o livro tem apenas 57 páginas, em tamanho de bolso), e que leva o mesmo nome de nossa indagação inicial: Literatura para quê? (2009).

Antoine Compagnon é professor da Universidade de Colúmbia, em Nova Iorque, e claro, do Collège de France. Grande amante da Literatura, o que fica bastante claro nos seus textos e depoimentos, Compagnon explora várias possibilidades da Literatura no mundo moderno e o que ela foi nos tempos passados, enquanto tece críticas ao modo como é utilizada e tratada no decorrer dos tempos.

O texto é claro e direto nas suas justificativas para a continuidade da leitura e consumo da Literatura no mundo atual. O ato de ler é apresentado como um salvador de valores, de integridade e mesmo felicidade. Como diz Compagnon numa parte do texto:

Lemos, mesmo se ler não é indispensável para viver, porque a vida é mais cômoda, mais clara, mais ampla para aqueles que leem que para aqueles que não leem. Primeiramente, em um sentido bastante simples, viver é mais fácil [...] para aqueles que sabem ler, não somente as informações, os manuais de instrução, as receitas médicas, os jornais e as cédulas de voto, mas também a literatura. Além disso, supôs-se por muito tempo que a cultura literária tornasse o homem melhor e lhe desse uma vida melhor. (COMPAGNON, 2009, p. 29)

Essa afirmação nos lembra de outro texto, A literatura em perigo (2010), de Todorov, onde este diz que a Literatura salvou sua vida. Um texto que além de apontar problemas com o método de investigação e crítica literária, o Estruturalismo, também é uma declaração de amor e significado vital da Literatura dentro de uma sociedade. Uma leitura indispensável!

Mas voltando a Compagnon. Nas suas explanações vários temas são abordados, como o estudo literário – teoria, história e crítica –; a importância da Literatura para a sociedade; os textos de vanguarda; Literatura e Religião; a Literatura na formação do ser humano; a concorrência que ela tem enfrentado nas últimas décadas com o cinema e outras mídias; a Literatura como representação do mundo real e o valor da Literatura e o seu enfraquecimento nos dias de hoje. Sobre este último, o autor elenca alguns fatos históricos que podem explicar a desvalorização sofrida por ela Literatura através dos anos, como a queda do muro de Berlim.

Mas que ligação a queda do muro de Berlim poderia ter com a Literatura e seu enfraquecimento, sua queda no gosto e no interesse dos leitores? Segundo Compagnon, a Literatura precisa de oposição, o que quer dizer que ela terá dificuldade para sobreviver em um mundo de liberdade, isso porque ela também detém um poder moral que foi muito importante durante séculos para nos libertar da alienação e opressão de diversos regimes sofridos. E é aqui que ela, como remédio contra a opressão, acaba por se tornar seu próprio carrasco, tendo em vista que, com o mundo livre, sem contestações, ela perdeu alguns de seus contributos à sociedade, tais como a própria capacidade de libertar e de fazer oposição. Para Compagnon, quando a Literatura se encontra nessas condições,

A liberdade não lhe é propícia, pois priva-a das servidões contra as quais resistir. Por conseguinte, o enfraquecimento da literatura no espaço público europeu no final do século XX poderia estar ligado ao triunfo da democracia: lia-se mais na Europa, e não somente no Leste, antes da queda do muro de Berlim. (COMPAGNON, 2009, p. 34)

Outro ponto possível de degradação da Literatura pode ter sido a negação de outro poder a ela que não o de recreação, de arte pela arte. Durante muito tempo, e em alguns nichos, mesmo hoje, ela foi apresentada apenas como um meio recreativo, sem mais outra função ou possibilidade dentro da sociedade. E isso pode ter pesado na sua significação posterior, até os dias de hoje.

Diante dessas questões, como reverter essa degradação? Apensar de tudo, talvez não seja tão difícil, tendo em vista que a Literatura vem sendo usada, nos últimos tempos, pela filosofia moral e pela história cultural, dentre outras disciplinas, como estudo de características – semelhante ao que fez Freud com Dostoiévski, no início de seus estudos sobre a mente e o comportamento humano. Portanto, ela vem sendo redescoberta. Os valores de antes: instruir, educar, moralizar, ilustrar o mundo sensível, tudo pode ser resgatado, e nos parece que vem sendo.

Avaliando a Literatura de hoje e a comparando com a de outros tempos podemos perceber que ela, apesar de todas as intempéries, continua a representar o mundo, a instruir, a guiar o povo no caminho da felicidade, já sem dotes políticos tão definidos como em épocas de revolução – como no caso do livro Pais e filhos (2004), de Ivan Turguêniev, comentado no livro O homem revoltado (2003), de Albert Camus –, mas ajudando a descobrir outros valores como a correção da linguagem, a capacidade de expressão, nos mostrando o que ainda não tínhamos visto e nos fazendo valorizar o que antes não nos atraía, colocando um mundo dentro de nós, ampliando nossos horizontes ao infinito, aguçando nossa sensibilidade, nos fazendo sentir infinitamente, nos mostrando o homem e o mundo além da superfície, nos libertando “de nossas maneiras convencionais de ver a vida” (p. 50), como o próprio Compagnon afirma e completa:

A literatura deve, portanto, ser lida e estudada por que oferece um meio – alguns dirão até único – de preservar e transmitir a experiência dos outros, aqueles que estão distantes de nós no espaço e no tempo, ou que diferem de nós por usas condições de vida. Ela nos torna sensíveis ao fato de que os outros são muito diversos e que seus valores se distanciam dos nossos. Assim, um funcionário, diante do que torna sublime o desenlace da Princesa de Clèves1, estará mais aberto à estranheza dos hábitos de seus subordinados. (COMPAGNON, 2009, p. 47).

A literatura nos faz entender melhor o outro e esclarecer os comportamentos e motivações humanas. Ela vai além dos discursos filosóficos, psicológicos e sociológicos porque, mais do que essas disciplinas, ela tem o apelo das emoções e da empatia.

Perante esse quadro, o texto-aula de Antoine Compagnon tem o tom de paixão e compromisso, mas pleno de possibilidade de realização na vida dos atuais e futuros leitores. Seu texto diz que é possível reencontrar a força da Literatura e nesse reencontro descobrir, ou redescobrir, seu poder libertador das convenções, limpando-nos da ignorância, da intolerância, abrindo-nos, através de um mundo de sensações, o mundo em si.




BIBLIOGRAFIA:

CAMUS, Albert. O homem revoltado. Trad. Valerie Rumjanek. 5. ed. Rio de Janeiro: Record, 2003.

COMPAGNON, Antoine. Literatura para quê? Trad. Laura Taddei Brandini. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.

TODOROV, Tzvetan. A Literatura em perigo. Trad. Caio Meira. 3. ed. Rio de Janeiro: Difel, 2010.

TURGUÊNIEV, Ivan. Pais e filhos. Trad. Rubens Figueiredo. 2. ed. São Paulo: Cosac & Naify, 2004.



_______________________
1 A Princesa de Clèves (1687), de Madame de Lafayette Livro publicado anonimamente em 1678, conta a história de Mademoiselle de Chartres, uma jovem aristocrata que chega à corte de Henrique II em busca de um bom partido. Mas intrigas na corte atrapalham seus planos. Acaba por casar-se com um admirador, o Príncipe de Cléves. Porém, pouco tempo depois do seu casamento, apaixona-se pelo Duque de Nemours, o que joga num duelo interior entre a fidelidade ao marido e a paixão avassaladora. Assim dá-se o preço das primeiras escolhas.
Imagem: Capa do livro.

12 comentários :

  1. A literatura é tão importante, Lial, que o cinema, o teatro, a TV precisam de textos para existir, pois são subprodutos dela.

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  2. Você é ótimo! =)
    bj
    aline

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  3. Bacana o texto , obrigado!
    Abraço.

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  4. Oi William, tudo bem?
    Pela mais pura coincidência, reli esse livro semana passada para preparar uma apresentação de um trabalho voluntário de incentivo à leitura, que estou fazendo com crianças no Lagamar. Confesso a você que a situação das crianças é tão, tão, tão precária que eu fico pensando se livro vale mesmo a pena. Então, eu reli esse livro e também Leitura de Vicent Jouve para fazer um texto sobre o trabalho.

    E, realmente quando se acaba de ler o texto do Compagnon, sente-se um certo alívio.
    um forte abraço
    regina

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  5. Obrigado pela leitura, Solha.
    Concordo plenamente com você. Antes das telas vêm os textos.

    Um abraço!

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  6. Aline, obrigado pela leitura, menina do sorriso!

    Um beijo!

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  7. Meu amigo, Marcio, obrigado!

    Um abraço!

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  8. Oi, Regina.

    Eu entendo. É mesmo de se perguntar Literatura para quê? numa realidade precária. Mas como disse Compagnon, Todorov e vários outros que afirmam o valor da Literatura na construção do ser humano, ganhamos mais fôlego para insistir nela.

    Eu estou bem, e você, como vai o jornal?

    Um abraço!

    William

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  9. Obrigado, Mozileide.

    É sempre bom receber sua visita e leitura.

    Um abraço!

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  10. Poxa , Lial, que dica maravilhosa. Acho que assim como na literatura vivemos uma crise na produção cultural como um todo. Procurarei este livro, interessou. Abraço!

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  11. Oi, Vanessa. Que bom que se interessou. Compre mesmo. É um livro pequeno no tamanho, mas grande no conteúdo. Compagnon é um dos maiores estudiosos da Literatura na atualidade.

    Quanto à crise, concordo com você, ela é geral na produção cultural.

    Obrigado pela leitura!

    Abraço!

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