09/04/2015

abril 09, 2015
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William Eggleston, Farm truck, Memphis, Tennessee, 1972.
Muito se fala e elogia a suavidade, profundidade e beleza de uma fotografia artística em preto e branco; contudo, há muita vida na fotografia colorida.

Costumeiramente fotos em preto e branco dominam a cena da arte fotográfica, sendo em maior número nas exposições e nas publicações livrescas. Mas nem tudo é cinza; há também espaço para a cor, que nem por isso é alegre.

A cor é normalmente ligada à ação, à vida, à alegria, à vitalidade, à luz; entretanto, na cor também se pode ver outros aspectos da vida como a melancolia e a nostalgia, por exemplo.

Vejamos esta foto acima do meu xará William Eggleston¹. A princípio é completamente "inofensiva", apresentando também um inofensivo e cansado caminhão, mas com um pouco mais de atenção e de "se deixar levar" por nossas memórias afetivas podemos ver muito mais no velho cansado e no seu entorno (podem clicar na foto para vê-la em tamanho maior e assim terem uma melhor perspectiva):


A fotografia é colorida, porém, quase monocromática. Tudo parece vermelho: os pneus, parte da lataria, da carroceria, do chão etc. E diante disso podemos ver que o branco na boleia e o azul na carroceria parecem meros coadjuvantes ou, sendo mais atenciosos com eles, são o toque a mais na cor vermelha, o ponto de exceção que não chega a destoar, mas de alguma forma colabora com o vermelho geral; assim como o detalhe azul no chão (talvez um pedaço de madeira, cabo de vassoura), e a casa lá atrás, as construções distantes à esquerda, tudo corrobora para dar mais vida ao vermelho opaco.

Mas não é a cor o que mais me seduz na foto, é o que ela me traz e me faz pensar. O caminhão me reporta a minha infância, quando vi muitos desses velhos passarem pelas ruas enlameadas das cidades do interior, onde meus avós moravam, e mesmo da minha rua, casa de meus pais, antes do advento do asfalto. Assim o caminhão é parte da minha infância, não necessariamente esse modelo, mas um primo seu.

Também sinto uma espera nessa foto. O caminhão parece parado à espera do trabalho, da continuidade do trabalho. Estando sujo, diz-nos que trabalhou até agora há pouco e logo voltará à vida que se movimenta. Passará por lugares, será visto por pessoas que um dia poderão se lembrar dele sujo e carregado a cruzar caminhos rumo ao horizonte. Horizonte que vemos também na foto, além do caminhão e, por que não, no próprio caminhão.

Toda a foto é um horizonte, limitado, se focarmos o caminhão e seus arredores próximos; mas imenso, se levantarmos os olhos e encontrarmos o céu, as casas um tanto distantes, as árvores que parecem acenar como aquela lá detrás. Vejam como parece estar com os braços levantados acenando ao fotógrafo, “Estou aqui! Estou aqui!”.

E assim a foto é vida, o barro que banha o caminhão, colado a sua lataria, ao seu corpo, vem da terra por onde pisa, e de tanto pisar, de tanto passar sobre a terra tornou-se parte dela; já se confunde com sua cor. O barro vermelho do chão impregna seu corpo como uma trepadeira domina um muro. O carro também é terra.

No horizonte de perspectivas que a foto nos dá, tudo é horizonte: chão, céu, casas, árvores, nuvens e o protagonista, o caminhão que parece pousar para a foto como um senhor de idade que já muito viveu e ainda quer viver, que ainda espera encontrar terras por onde passar e caminhos a seguir levando consigo o horizonte na carroceria.



¹ Aconselho a quem puder comparecer a visitar a exposição "William Eggleston, a cor americana", do 14 de março a 28 de junho de 2015, no Instituto Moreira Sales, Rio de Janeiro.

2 comentários :

  1. Meu caro e nobre e saudoso amigo William, quanto tempo! Gostei muito do que li! Como vim de terras com esta cor, sinto-me abraçado por seu texto. Abraços! Mendes Júnior

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  2. Meu amigo, Mendes, que bom ter o seu contato. Obrigado pela visita, leitura e comentário!
    Um grande abraço!

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