23/12/2009

dezembro 23, 2009
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Era dezembro num país distante de língua inglesa; época de levar as crianças para o shopping, encontrar o Papai Noel e tirar uma foto no colo do bom velhinho. Quem sabe até dar uma de Perna-Longa e perguntar “O que é que há velhinho?”. A pergunta, provavelmente Bill não faria, mas iria lá encontrar o patrono comercial do Natal, “Será que ele é comunista?”, pensou, “Com aquela roupa vermelha! Mas não, se fosse não corroboraria com esse capitalismo imundo”.

Bill saiu de casa fantasiado de duende. Na sua cabeça tudo estava bastante definido: “chego lá, fico na fila, aguardo minha vez, sento no colo do velhinho e digo uma frase de efeito, tipo Vai encontrar Jesus, Noel! Aí levanto e anuncio a bomba pra todo mundo”.

Na rua, sem perceber, já falava em voz alta, mas pouco compreensiva, o que causava estranhamento nas pessoas: ― Detesto Papai Noel, detesto Papai Noel! Vou matar dois coelhos com uma caixa d’água só, ou seria cajadada?! Bem, caixa d’água também mataria... E o que me importa! Vou matar aquele desgraçado só de susto.

Minutos depois, Bill chegou ao shopping center. Disfarçado de duende verde dirigiu-se rapidamente para onde se encontrava o velhinho. A fila era grande, umas trinta pessoas se encontravam lá, e o barulho das crianças só aumentava a gana do duende em colocar seu plano em ação.

― Não tem problema não ― murmurou ―, hoje é seu dia, São Nicolau.

― O senhor disse alguma coisa? ― indagou a senhora logo a sua frente.

― Eu disse: será que se vestia assim, São Nicolau? Sabe, o santo que deu origem ao Papai Noel?!

― Sei, sei. Mas por que o senhor está vestido assim? Se é do grupo do Papai Noel por que não está lá com ele, ao invés de estar aqui na fila?

― É que sou de outro shopping.

― Ah, certo!

Em pouco tempo as crianças perceberam a presença do duende na fila, e logo começaram a puxar a roupa do infeliz e a arrastá-lo para tirarem fotos juntos.

― Eu não posso, não sou desse shopping ― Bill tentou evitar, mas uma mãe de pouca paciência, ao vê-lo se esquivar de seu filho, foi em defesa do garoto pentelho:

― Tira logo essa foto com meu bebê, seu duende chato!

Sem outra saída, tirou a foto. E para sua sorte, logo chegou sua vez de falar com Noel. Mas o que ninguém havia entendido ainda era o que ele fazia ali naquela fila, por que não havia ido logo falar com o velhinho sem passar pela fila? Não era um duende de Natal?

― Oi, Noel ― disse ao se aproximar do bom velhinho. ― Eu esperei o ano inteiro por esse dia.

― É mesmo, meu jovem? É grande fã do Papai Noel? ― disse simpático, o velhinho. ― Quer tirar uma foto? Você não é um dos meus duendes, é? Houhouhou!

― Não, não sou não. Eu não quero foto, velho!

― E o que você quer então?

― Eu quero é acabar com essa enganação ridícula de Papai Noel, com essas mentiras de noite feliz, e você foi o escolhido para simbolizar uma nova era de Natal. Sinta-se feliz, você vai ser o último enganador, o Noel que morreu para o surgimento de um novo espírito natalino ― disse isso com os braços levantados como se fosse um pastor apocalíptico proclamando o fim dos tempos. Depois, se virando para as crianças da fila e dos arredores, gritou: ― Isso tudo é enganação, Papai Noel não existe! Esse cara é um velho qualquer que veste essa roupa ridícula e vem aqui enganar vocês, seus trouxas! Criança é tudo trouxa, mesmo! Mas não se preocupem ― nessa hora, metade das crianças já estavam chorando assustadas ―, eu vou acabar com essas mentiras, eu vou explodir o velho Noel!

Agora a criança que ainda não havia chorado, começou, e as mães, bem, algumas desmaiaram, o resto correu para onde o nariz apontou.

― Eu tenho uma dinamite na minha bolsa ― gritou o duende ― e vou detonar! Nunca mais vamos ter que aturar as mentiras de Natal, nunca mais! ― e soltou uma gargalhada que ecoou pelo shopping inteiro. ― Não corram, venham ver esse velho ir pro espaço, isso é para o bem de vocês. Venham! Venham!

É claro que o povo é doido, mas não é maluco, ninguém ficou pra ver o fim do Papai Noel. Também ninguém tentou agarrar o terrorista do Natal, Noel que se vire, não consegue viajar o mundo todo numa noite e ainda desce pelas chaminés com uma pança daquele tamanho? Então! Pode se livrar dessa sozinho fugindo na velocidade da luz.

― Não se preocupem ― gritou Bill ―, vou acabar com essa enrolação. Eu sei o que é ser enganado, eu também fui vítima, eu também fui! ― ao dizer isso sofreu uma leve queda de ânimo tomado pelo choro que o invadiu.

Foi uma correria atropelada; em pouco tempo, no meio do salão, só havia o duende e o Papai Noel. A segurança do shopping acabou chegando poucos minutos depois, pedindo calma ao duende que, mais uma vez avisou:

― Eu tenho uma dinamite!

― Calma, rapaz, não faça nenhuma besteira! ― pediu o chefe da segurança.

― Não se aproxima não, não se aproxima não que eu explodo! Eu detesto esse salafrário desde criança quando acordava cedo e não tinha nada pra ver na minha árvore de natal. Passei muito tempo esperando o bom velhinho que parecia ter se esquecido de mim. Por que ele não gosta de mim? eu me perguntava, eu perguntava a todo mundo, mas o meu pai só sabia me dizer que o papai Noel deveria estar com pouco dinheiro aquele ano. E o velhinho não era mágico, não tinha os duendes que fabricavam tudo que ele precisava?! Todos mentiam pra mim! ― gritou mais forte, agitando sua mochila no ar.

― Calma, rapaz! ― insistiu novamente um dos seguranças.

― Eu já tive calma demais. Eu passei anos tendo calma, tentando esquecer que mentiram pra mim. É isso mesmo ― disse virando-se para todos os lados do shopping, procurando ser ouvido ―, mentiram pra mim, pra mim e pra todos vocês. Seus pais mentiram pra vocês, assim como os meus mentiram pra mim. Eu tentei esquecer, mas não conseguir. E é por isso que eu estou aqui e vou detonar esse velho mentiroso. Eu só queria que as renas estivessem aqui também pra eu explodir todo mundo. Aliás ― agora olhava para o Noel ― esse negócio de rena é coisa de Bambi.

― Temos que dar um jeito nesse maluco ― sussurrou o chefe de segurança a seus homens que o acompanhavam. Depois pressionou o botão do walk talk e deu ordens aos demais.

― Tanto tempo esperando presente ― continuou Bill ― e o desgraçado nem existia. Esse impostor tem mesmo é que morrer! Todos os que iludem as crianças têm que morrer! Eu estou do lado de vocês, crianças! Não temam, eu faço isso por vocês! ― gritou suspendendo a mochila acima da cabeça. O difícil era convencer aquelas crianças com uma mochila de dinamite nas mãos ameaçando dinamitar o símbolo dos presentes de natal.

Enquanto o chefe da segurança tentava manter o terrorista calmo, por trás deste, dois seguranças se aproximavam sorrateiros. Não demorou muito para que eles conseguissem saltar sobre o criminoso e o derrubassem no chão:

― Sai de cima de mim, sai de cima de mim ― gritava o duende. ― Eu vou explodir, eu vou explodir!

Os seguranças procuraram as dinamites na mochila de Bill, mas não havia nada lá.

― Onde estão as dinamites? ― perguntaram os seguranças entre pontapés e safanões no duende.

― Não estão aí não? ― perguntou surpreso o rapaz. ― Ih! Devo ter esquecido.

― Mas é mesmo um terrorista de meia-tigela! ― disse indignado o segurança.

― De meia-tigela não! Olha o respeito! Eu sou um profissional! Eu só esqueci um detalhe. O que é que é, vocês nunca esqueceram nada não?

― Você vai pra cadeia, desgraçado! ― disse outro segurança.

― É? Pois me leva, me leva! Me leva que eu explodo a delegacia inteira. Tá pensando o quê, eu sou perigoso, eu sou perigoso!

― Que perigoso coisa nenhuma! Olha aí, já até mijou nas calças!

― Isso é por que eu sofro de incontinência urinária. Que é que é?

― Incontinência urinária uma ova, você tá é se mijando de medo ― ria e se divertia o chefe da segurança e seus companheiros.

― Não rir não, não rir não que eu explodo todo mundo! ― a essas alturas o duende já espumava de raiva.

― Explode? ― perguntou o segurança chefe. ― Só se for de bomba de mijo ― e a gargalhada não teve tamanho.

Já tomado de raiva e com o sangue a quase lhe explodir nos olhos, soltou-se dos dois homens que o seguravam e caiu sobre o chefe deles. Mas não fez muita coisa, logo logo foi dominado outra vez debaixo de mais socos e pontapés. No final da revolta, não tinha mais espaço para sentir raiva, a dor das contusões eram maiores.

Os policiais não demoraram a chegar. Perguntaram detalhes do ocorrido ao chefe da segurança e logo levaram o pretenso terrorista pelo braço.

― Está na hora de ir, mijão!

― Mijão não! Quero ver vocês sorrirem quando eu detonar todo mundo!

― Com o quê: coquetel molotov de mijo? ― os policiais já não conseguiam mais parar de rir.

Não foi fácil levar preso o mijão, digo, o terrorista profissional; durante o trajeto até a viatura da polícia, várias pernadas, cotoveladas e empurrões nos policiais foram desferidos, o quase-assassino do Noel não pretendia se render. Lutou até levar um soco nos rins e resolver deixar a briga para mais tarde.

― Quando eu chegar à delegacia vocês vão ver, todos vão morrer! Mas vou deixar vocês vivos até lá.

― Vai mijar na gente só quando chegarmos lá? ― e uma nova explosão de gargalhadas irrompeu das bocas escancaradas dos policiais. Bill agora era piada pronta.

No depoimento que deu ao delegado, perguntado se não se importava com a vida do homem que se trajava de bom velhinho, respondeu que não, por que ele era um mentiroso e com a morte dele todos saberiam a verdade, além do mais, baixas são aceitas para se alcançar um objetivo. Ele sempre ouviu os militares de seu país dizerem isso sobre as guerras e invasões que realizavam, por isso sabia que não havia nada demais em eliminar uma vida para o bem de outras.




Imagem: Gérard Dubois, s.d.

6 comentários :

  1. William!!!
    Que conto delícia!!!Ameiiii! Eu ri muito...ficava imaginando cada parágrafo como uma cena real em minha mente!!!Obrigada por me fazer rir...este conto é uma comédia misturada com algo bem real e próximo de nossas realidades...uma fantasia...que encaro como um disfarce para nossos problemas... problemas estes de nossa sociedade.
    Feliz natal de coração!
    Beijos doces*

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  2. Pobre Bill... Ele me lembrou o D. Quixote, sabia?

    Feliz natal, William: em 2010 estarei de volta ao seu blog, lendo seus textos aqui.

    Grande abraço!

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  3. Aline, só tem graça quando você rir. Quem bom que além de rir e gostar do conto pôde conjecturar sobre ele e seu sentido.

    Um grande beijo, menina, obrigado pela leitura e por ter sido minha leitora mais este ano. Feliz 2010!

    ---------

    Marcos, Bill talvez posso ser um Quixote mais sucumbido na loucura nociva, rs!

    Obrigado pela leitura, obrigado por ter estado no meu blog este ano. Feliz 2010!

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  4. Não resisto a partilhar, Amigo William, uma mensagem “urgente” que a Amiga Rejane me enviou; partilhá-la é o mínimo que posso fazer, possa ou não ser “prematura”, tamanha declaração:

    “Depois de uma séria e cautelosa consideração, gostaria de notificar a renovação do nosso CONTRATO DE AMIZADE, para o ano de 2010 e seguintes…

    “Nunca desvalorize ninguém…
    Coloque cada pessoa perto do seu coração
    Porque um dia você pode acordar
    E perceber que perdeu um diamante
    Enquanto estava muito ocupado a coleccionar pedras”

    [Mande este abraço para todos os que você não quer perder em 2010, adverte-me a Amiga Rejane: é meu dever, minha tão grande obrigação…]

    Um imenso abraço

    Leonardo B.

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    1. Caro Leonardo, depois de tanto tempo, acredito que você não vai ler isso, mas vou responder mesmo assim.

      Somente hoje vi essa sua mensagem. Ela deve ter chegado sem aviso.

      Muito obrigado!

      Grande abraço!

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