25/10/2009

outubro 25, 2009
Já passava da meia-noite, a rua, iluminada pelas pardas lâmpadas dos postes que faziam círculos no chão, estava silenciosa, os carros estacionados ao longo da calçada, um após outro, quietos, seus motores desligados, descansando enquanto seus proprietários dormiam em suas casas. Ninguém andava na rua, ninguém conversava na porta das residências, nenhuma voz era ouvida nas imediações, quando um som incomum começou a cortar o silêncio, primeiro distante, mas se aproximando, cada vez mais, cada vez mais, chegando, chegando, aumentando de volume, ficando mais próximo, mais próximo até que estourou num barulho assustador, cortando a madrugada. Um motor de som agudo, estridente, expelindo sua fumaça branca, tremendo feito lambreta velha, chocou-se com um dos carros estacionados.
O carro, que não imaginava que pudesse ser violentado dessa forma enquanto dormia, indefeso, descansando o seu motor que muito trabalhou durante o dia, teve sua porta inteiramente amassada, o veículo que a amassou está deitado ao lado. Se você visse este veículo agora, você que me ler, provavelmente perguntaria “Onde está o resto do carro, como somente o banco veio parar aqui?”. Mas por que me perguntaria isso? Por que uma cadeira é tudo o que há no chão, além do intrépido motorista, claro. “Como assim uma cadeira?” ― você insistiria. Ora, como! Uma cadeira, esse objeto que nós usamos para descansar as pernas, esse que sentamos você sabe o quê. “Mas como uma cadeira veio parar aí nesse acidente, onde está o carro que bateu no outro?”, está aí. Não foi um carro que bateu no outro carro, mas uma cadeira, uma cadeira motorizada. “Tá de brincadeira comigo!”, não estou não.

O americano Dennis LeRoy Anderson, de 62 anos, saiu de uma bar, depois de beber oito ou nove cervejas, segundo sua memória pôde lembrar, ou quis lembrar, sentou na sua cadeira motorizada ― não me pergunte onde ele conseguiu isso ― e dirigiu-se para casa. No caminho, a estrada parecia se contorcer, flutuar, as luzes oscilavam de tamanho, e os carros estacionados na rua pareciam em movimento.

― O que foi que colocaram na minha bebida? ― disse vesgo. ― Dá pra parar de tirar o chão do lugar, por favor?! Ihihihihi!

Ele não parecia bem. Procurou usar de toda a sua perícia como piloto experiente de cadeira motorizada, até que os carros do acostamento resolveram vir ao seu encontro.

― O que é que vocês estão fazendo? ― ainda gritou. ― Fiquem aí, eu estou mandando!

Mas nós sabemos que os automóveis nem sempre nos atendem, muitas vezes batem por aí somente para nos irritar, talvez por vingança de viverem sob o nosso julgo; e com as cadeiras motorizadas não é diferente, elas nos pregam peças às vezes. E essa pregou uma no senhor LeRoy.

― O que você está fazendo, sua cadeira idiota, are you crazy? Nós vamos bater, não está vendo... Ih, bateu! Viu só, bateu no carro. Shit! Ihihihihih!

A polícia chegou pouco tempo depois, a vizinhança, acordada com o barulho, ligou para as autoridades. O senhor LeRoy tentou explicar aos tiras que descia a rua tranquilamente com sua cadeira reclinável ― sim reclinável, esqueci de comentar esse detalhe antes ― quando os carros vieram para cima dele, ainda tentou desviar, mas sua cadeira estava de mau humor e não obedeceu etc.. Mas não adiantou, o motorista estava com o teor alcoólico três vezes acima do limite legal, e os policiais de Minnesota tiveram que prendê-lo. Atuado em flagrante, foi condenado a 180 dias de prisão e dois anos de liberdade condicional, além de ter que pagar uma multa de US$ 2 mil.

Sentado na cadeira do tribunal, que não era reclinável, muito menos motorizada, “Vai que o piloto resolve dar um cavalo-de-pau aqui dentro do recinto”, pensaram os guardas da sala, o acusado declarou-se culpado por bater sua cadeira num veículo estacionado, mas deixando bem claro que a grande culpada do acidente fora a cadeira:

― Aquela mal-agradecida que deveria ser eternamente grata a mim por ter lhe dado rodas e um motor, por tê-la levado comigo para conhecer a cidade ― nessa hora já estava emocionado e chorava ferido por dentro ―, por ter lhe deixado ver o céu à noite, enfim, ela deveria me ser grata por ter lhe dado a chance de ser uma cadeira melhor, mas não, ela não soube ser feliz, tinha que estragar tudo. Juíza, jamais confie numa cadeira motorizada, elas não têm coração.

― I don’t have motorized chair, Mr. Anderson ― disse a juíza.

― Sorte da senhora, meritíssima, sorte da senhora!
Hoje, Mr. Anderson, não quer saber de cadeiras motorizadas reclináveis por que, obviamente, elas são frias, estúpidas e não têm coração.




Imagem: Foto da cadeira do dito cujo, encontrada no site G1.
P.S.: Inspirado no acidente é real, divulgado pelo site G1.

0 comentários :

Postar um comentário

Voltar ao topo