21/05/2007

maio 21, 2007
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Hoje me sinto um pouco Sr. Meursalt,
O estrangeiro personagem de Camus.
Não tão indiferente ao mundo,
Não tão frio ou malogrado,
Mas estranho de mim mesmo,
Estranho da terra onde vivo,
Estranho da vida que quase vivo.

Hoje olho as paredes e não as reconheço.
Percebo que jamais as reconheci,
Percebo que jamais as tive dentro de mim.

Hoje não reconheço a história que assisti
Como a minha,
Como uma história que construí.
Não sinto o vento
Como meu vento,
Não sinto os outros
Como meus outros,
Não sinto nada
Como alguma coisa,
Não sinto ninguém
Como alguém,
Não sinto a mim
Como um eu de mim mesmo.

Hoje gostaria de estar lá.
Não sei precisamente onde.
Sei apenas que não seria aqui,
Entre essas paredes,
Entre esses rostos,
Debaixo desse calor,
Debaixo desse estupor
Que transformaram os meus amanheceres
Em terra estrangeira.

Hoje gostaria de sentir o frio
De outro mundo,
Gostaria de sentir as faces,
Gostaria de sentir as peles,
Gostaria de sentir as bocas,
Gostaria de sentir-me e descobrir-me
Sentindo-me em outro mundo.

Hoje gostaria de não estar aqui
Escrevendo a você que não conheço
Sobre dores que desconheço a razão,
Sobre uma angústia que deturpa meus sentidos,
Sobre uma febre que me queima o peito,
há muito, aberto,
Sobre um desencontro de alguém que talvez jamais,
Jamais buscou algo encontrar.



LIAL, William. Noturno. Fortaleza: Imprece, 2003.
Imagem: Salvador Dalí, Apparition du Visage.

7 comentários :

  1. Caro amigo,

    Maravilhosa poesia: forte e doce.

    Mendes Júnior.

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  2. Uma exposição de um “eu“. Pode ser um eu verdadeiro, pode ser um eu de ficção. Eu, presa e identificada ao seu poema.

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  3. Que bom que sentiu o poema, Kakita. É dessa por isso que ainda vale escrever.

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  4. Deve ser interessante para um autor ter um retorno dos leitores como aqui neste espaço. Que interessante! As interpretações são várias e diferentes entre si. Eu reconheço isso como riqueza e qualidade literária do texto. E você, como autor, como vê?

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  5. Cada leitor tem uma interpretação diferentepara o seu texto. Que interessante! Reconheço isso como demonstração da riqueza e qualidades literárias do texto. E você, William, como autor, como vê esse retorno que esses comentários do blog lhe permitem ter?

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  6. Kakita, fico bastante feliz com os comentários, gostaria que fossem mais. Como eu disse ontem a uma leitora, jamais cobro de alguém um comentário sobre meus livros ou quaisquer outros textos meus; mesmo quando presenteio alguém com um livro publicado por mim não pergunto ou solicito que, após a leitura, diga-me o que achou dele; considero isso uma pressão desnecessária sobre o leitor. Assim deixo que se manifeste caso queira, e vou gostar se o fizer, mas se não quiser, tudo bem, muitos não sabem como dizer o que sentiram ou simplesmente não gostam de o fazer, e isso não é problema para mim. Mas quando vejo a manifestação dos leitores, sua proximidade, suas interpretações várias sobre algo que escrevi, fico feliz. Um texto pode mesmo suscitar os mais diversos sentimentos, e se isso é fruto da qualidade do texto, melhor, fico lisonjeado com a observação; porém, essas interpretações dependem também da bagagem cultural do leitor, do que ele já leu, sentiu ou viveu durante a vida e, muitas vezes, do momento pelo qual está passando, isso pode influenciar no que percebe.

    Enfim, gosto de ver o que viram do meu texto. Gostei de ver o que você sentiu.

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