02/05/2017

maio 02, 2017

Muitos de nós estamos sempre sonhando com o futuro, desejando, almejando, esperando a grande vida acontecer, por meses, anos, décadas e décadas...; amanhã, amanhã, sempre amanhã! E na espera pelo amanhã, não temos o hoje — “Hoje não! Hoje só amanhã!”.

Quando estamos na luta por nos livrarmos de um vício, o que nos diz o especialista? “Um passo de cada vez!”, diz ele. Mas também quer dizer: Viva cada dia, cada hora, cada minuto. O ato de protelar é um vício, assim como o da espera eterna. Será preciso nos afogarmos em vício para enxergarmos que o hoje foi o amanhã de ontem e que o amanhã de hoje será sempre o hoje de amanhã?

Se descobrirmos um câncer — “Estado terminal, amigo!” (Amigo é o cão, depois de me dar uma notícia dessas!) —, caso não nos entreguemos ao desespero e à derrota, depressão inundada de toneladas de autopiedade e amargura, o que muitos de nós vão fazer? Vão correr, correr contra o tempo e procurar viver tudo de todas as maneiras; o amanhã não importará tanto a ponto de nos parar; pois poderá não existir! Então será preciso uma doença terminal para praticarmos a vida a cada minuto, para ofertarmos mais sorrisos do que ira e choro, para mais abraços do que cotoveladas? Será preciso gelar diante do sorriso de chumbo encardido da morte para nos tocar a vida?

Um belo poema em prosa de Mario Quintana, chamada “Viver”, e parte do livro Sapato florido (1948), diz no seu último parágrafo: “[...] só as crianças e os velhos conhecem a volúpia de viver dia a dia, hora a hora, e suas esperas e desejos nunca se estendem além de cinco minutos...” (2005, p.107)¹. Além de cinco minutos! Quantos minutos você leva na espera, no almejo de um desejo? Seriam apenas cinco? — ou talvez meses ou anos? Talvez espere para sempre, um sempre nunca alcançando. Mas os segundos continuam a passar e os que vêm a seguir são outros, nunca os mesmos; como no rio de Heráclito — não nos banhamos duas vezes no mesmo rio; dá segunda, o rio já é outro, e nós também.

A vida é urgente, nós é que temos dificuldades para perceber, ou a preguiça e o mau-humor congênito se deita sobre nós como uma rede de arrasto, enquanto não passamos de um peixinho assustado a nadar num aquário vendo o mundo do outro lado do vidro, pelas águas turvas de nossa covardia temerosa de tudo o que é novo e ação.




¹ QUINTANA, Mário. Sapato florido. São Paulo: Globo, 2005.
Imagem: Duy Huynh, Waiting for time to fly, 2016 (artista vietnamita).
Mário Quintana. Sapato florido. São Paulo: Globo, 2005.

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