28/02/2016

fevereiro 28, 2016

Eu sei, meu querido, existem mulheres bonitas, e existem mulheres Bonitas. Elas têm um rosto incrivelmente sedutor, lindo, atraente que fazem de você um sofredor tomado pela inacreditável dificuldade de deixar de olhá-las (e por que iria querer deixar?). Para essa a beleza está além do que veem os olhos.

De repente uma delas está ali, sentada conversando com as amigas como se fosse inocente, displicente. Ah, a praia está tão boa! — diz às cúmplices, mexendo a cabeça para um lado e para o outro como se apreciasse a paisagem de Shangri- La. — É verdade, Aline! — diz a amiga, deixando que você, ali perto, descubra seu nome. E sabendo o nome, todo cuidado é pouco. Então, como se o nome não fosse o bastante, num lampejo, ela olha para você e pronto, foi-se a paz! Ela sorriu! A sereia sorriu! Aí, meu querido, você se encontra em maus lençóis.

Um dia, lá nos tempos de Homero, elas cantaram para Odisseu; agora, sorriem. Os tempos evoluíram e suas provocações podem ser mais minimalistas, porém, de igual perigo! E para você, pobre enfeitiçado, se antes já era difícil esquecer aquele rosto, depois do sorriso, é como música dos Beatles, não sai mais da sua cabeça — e você, miserável, nem quer mais que saia.

Diante desse quadro, como não consegue esquecer aquele rosto, você realiza involuntariamente um trabalho de imaginação: qual será o cheiro dela? Será que fala baixinho quando conversa? Sorrir muito, é divertida, bem humorada, carinhosa, amorosa e delicada?

Depois de um tempo e de tantas horas de sonhos e elucubrações, você já perdeu a noção da realidade. Coitado, não sabe mais o que é real e o que é fruto da sua fértil imaginação. Por isso, em certo momento você pode se pegar perguntando ao comparte invisível com quem tem passado a conversar nos últimos dias, depois da visão da bela da praia: Ela existe mesmo ou é fruto da nossa fantasia? — sim, “da nossa”, afinal, o comparte com quem conversa é o famoso “Eu, um outro”, um outro de você, um eu lírico, um eu de mim, resultado da sua recente adquirida loucura.

Mas não para por aí. Vem o próximo passo: Eu existo? perguntará você a você outro, uma vez que sempre que se percebe existir é quando se vê com ela — ela que, até hoje, vive distante, presente apenas em seus sonhos delirantes.

Então se belisca. Dói e você existe. Então ela existe, e você volta a sonhar, delirar, sentir o cheiro que nunca sentiu e a pele que nunca tocou. Resultado disso? Uma espécie de bipolaridade: de um lado, com momentos de sorriso abestalhado, como se visse a desejada ao lado lhe sorrindo de volta; do outro, momentos de tristeza de ausência numa busca interior frenética pelo paradeiro da dita cuja que teve o desplante irresponsável de sorrir para você numa barraca de praia.

Irresponsável, inconsequente e imponderada, é isso que ela é, usando estratégias bélicas assim, ao ar livre, sem medir as consequências do seu ato. Deveria haver uma regra mais rígida para porte de armas! — grita você ao quadro do seu bisavô. Grita com ele porque o outro de você já pediu as contas e se foi, não suportando mais a parte triste que lhe cabia. E você, agora apenas um “si mesmo”, está sem a mulher, vagante por sabe-se lá onde, e sem o outro de si. Resultado: calamidade de ausências.

Ah, as mulheres que sorriem, não fazem ideia do mal que praticam quando cometem esse bem — ou talvez façam. Sim, fazem, são seres perigosos, quiçá seres mágicos vindos do outro lado do lado de lá para sorrir de nós, homens abobalhados. Contudo, seres mágicos ou não, antes ter delirado por um sorriso visto do que nunca ter visto um sorriso.




Imagem: Mermaid Melissa.

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