18/01/2016

janeiro 18, 2016
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Hoje a ânsia por aparecer é maior do que o medo do ridículo e da exposição danosa. No mesmo momento em que processamos todo mundo por invasão de privacidade, somos a geração que mais se expõe gratuitamente, sempre a espera de um "Like", de um "Curtir" que nos massageie o ego, que nos prove que existimos para o outro, para os outros, para nós mesmos a partir do outro.

Nada somos se não expomos nosso prato de comida do jantar de hoje no Instagram, se não mostramos a todos a fotografia de nossa roupa de festa para logo mais à noite, se não nos fotografamos na cama, acordando, indo deitar, após o sexo, ou mesmo durante – alguns até no banheiro, sentados no trono (que não é de rei) como alguns famosos já fizeram.

E por que fazemos isso? Se o fazemos é porque nos julgamos muito importantes. Importantes o bastante para o que fazemos ser do interesse do outro. Todos querem nos ver, pensamos, querem saber o que fazemos. Julgamos nossos atos banais imprescindíveis à vida do outro. Somos a última bolacha do pacote. Será?

O que somos se não nos “curtem” nas redes sociais, se não nos elogiam o corpo musculoso, as frases, mesmo banais, que postamos como pensamentos profundos no Facebook? Existimos aquém, sub-repticiamente, à margem se o outro não demonstra ter nos percebido. E existir assim não seria existir. Quem iria querer ser um mero observador do sucesso alheio?

Hoje, não precisamos de paparazzi, somos os paparazzi de nós mesmos; aliás, hoje somos nós mesmos em tudo, sempre Nós. Sabemos de tudo, somos intelectuais, pensadores da filosofia, da sociologia, da política, mesmo que não assistamos jornais nem leiamos livros, quando muito os de autoajuda – que só ajudam aos seus autores e editoras – ou os de histórias baratas, salvo, graças a Atena, algumas poucas exceções.

No mundo moderno, fluido, espetaculoso e repleto de umbigos como centros do mundo dizemos Eu para tudo. Antes Eu, sempre Eu. Afinal, Eu posso tudo, diriam os coaches que nos ensinam a vencer e sermos ricos, pois “querer é poder!”. Querer é poder? Não, querer não é poder, querer é apenas querer. É preciso muito mais do que querer para se chegar a algum lugar. Querer é apenas um passo para se começar a caminhar. O que não deixa de ser importante, claro, afinal precisamos começar de alguma forma; mas ainda assim é apenas um passo, e não o esfregar mágico da lâmpada de Aladim.

Nesses dias de holofotes, com tanto Eu espalhado por todos os lados, impregnando as redes sociais e os livros do “melhor viver”, repetimos, como diz o historiador Leandro Karnal (2014), “o pecado de Lúcifer”¹, que pecou ao dizer Eu, considerando-se assim mais importante do que verdadeiramente era.

Uma bela metáfora bíblica que representa muito bem cada Lúcifer que povoa as redes sociais e o mundo moderno. Contudo, na forma de dualismo e contradição, pois enquanto gritam Eu o tempo todo, na verdade, esse Eu carece de segurança e autoconfiança.

Este ser que hoje se autopromove na internet, que ao se afirmar e se projetar ao mundo o tempo todo acredita fazê-lo por autoestima, autoconfiança, se observarmos um pouco melhor, veremos que, o mais certo é que faz isso, se não sempre, mas na maioria das vezes, justamente pelo motivo contrário. Expõe-se por medo da irrelevância, por insegurança, por solidão, porque precisa ser amado, mesmo que por estranhos, aceito e admirado, se não a vida não vale. E como em nosso mundo moderno está cada vez mais difícil a possibilidade, hoje fantástica, do encontro com o outro cara a cara, do olho no olho, do convívio real, faz uso da internet, assim terá milhares de “amigos” a quem se expor – terá milhares de amigos e talvez nenhum, pois esses amigos estão tão perto da tela luminosa quanto distantes daquele que aguarda seus "likes".

E nisso, os novos anjos de luz acabam sendo uma versão piorada do anjo original, aquele que caiu, porque a luz que aquele possuía, até o dia em que fraquejou, estava nele mesmo, enquanto nos anjos de hoje a luz está conectada a um interruptor na mão de outro, alguém que pode ou não apertá-lo e acender a luz que aparecerá em um letreiro luminoso onde está escrito "Curtir".



Imagem: Gustave Doré, ilustração para a obra de John Milton, Paraíso Perdido.
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¹ “O orgulho nosso de cada dia”. Palestra ministrada no dia 8 de setembro de 2014 pelo professor e historiador Leandro Karnal para o Instituto CPFL Cultura, como parte de uma série de palestras sobre os Sete pecados capitais. O vídeo pode ser assistido em: https://vimeo.com/105550914.

8 comentários :

  1. Muito bom. É isso mesmo, Lúciferes de segunda mão, é bem isso...

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    1. Obrigado, Chico! Infelizmente é assim que estamos, realmente Lúciferes de segunda mão.
      Abraço!

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  2. Caro William, texto irretocável, infelizmente! Abraços.

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    1. Obrigado, Pedro! E você está certo ao usar o "Infelizmente".
      Abraço!

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  3. William Lial, será que daqui a alguns anos nós vamos rir de tudo isso? :-? Outra pergunta: o seu texto seria uma fotografia do Eu escondido em você? :p

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    1. Sonia, espero que possamos rir daqui há alguns anos. Mas com a defasagem da cultura, que antes já teve outro significado, talvez daqui há alguns anos riam de gente como eu que faço essas observações. Os patetas poderão ver em mim um pateta diferente.

      Sobre sua pergunta, a resposta é não. Trata-se de um retrato de outros Eus que ando observando por aí. Pois quanto a mim, sinto-me logo cansado se passo mais tempo por uma rede social. Além disso, não ando publicando fotos inusitadas minhas, quase nem há fotos minhas, como pode ver, muito menos dando notícia do que ando fazendo e onde estou. Sou muito reservado para isso, e muito crítico desses comportamentos, o que me desqualifica para ser a figura retratada no meu texto, ou me qualifica, dentro do que é ser descolado hoje, como um "dinossauro rabugento". :-D

      Um abraço, minha querida!

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  4. Gostei muito, concordo com você William.
    Percebo uma necessidade de "aparecer", uma enxurrada de opiniões, muitas vezes sem conteúdo, lancada nas redes.
    Beijos ternos,
    Vera.

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    1. Obrigado, Vera.

      A própria definição de Cultura parece ter mudado hoje, e nessa mudança essas distorções aparecem. Mas sobre isso falarei noutro ensaio.

      Um abraço, minha querida!

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