31/12/2015

dezembro 31, 2015
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E assim chegamos ao fim de mais um ano. Sonhamos, desejamos, tivemos, perdemos, ganhamos, sorrimos, choramos, vimos, cegamos. Mas independente de tudo isso, os dias continuaram e nós também – estamos aqui para mais um drink.

Como costumo dizer, Viver é bom, mas dói; mas é bom! O mundo não vai se adequar a nossos desejos simplesmente por que preferíamos que assim fosse. Continuaremos a ver o que os olhos não querem, a nos decepcionar com a espera frustrada, a termos que recomeçar cada vez que o fim de uma luta acontecer antes do que esperávamos; mas continuaremos a sorrir inesperadamente por algo que não sabíamos que iríamos encontrar. Conheceremos pessoas que nos darão prazer no seu simples sorriso, por quem nos apaixonaremos pelo seu coração, por aquilo que não podemos ver, mas que sentiremos dentro de nós como um frio, uma deliciosa cócega na barriga.

Sim, apesar de tudo, amaremos, choraremos por amor, ficaremos deslumbrados com o quanto podemos ser felizes. Mesmo diante de tanto choro triste, de tantas guerras civis e militares, de tanta corrupção, de tanto mau-caratismo, descobriremos que poderemos ser felizes; descobriremos que o mundo pode não ser tão mau, se formos bons.

Você religioso cristão, lembra-se do livre arbítrio da sua Bíblia? Ele ainda vale, inclusive para os não religiosos. Pena que o homem adora esquecer-se disso e culpar a um deus, ou a um diabo, por suas maldades, por sua falta de vergonha na cara. Culpe a si mesmo – e melhore, homem; melhore mulher! Vocês são o Deus e o diabo das suas ações! Tenham coragem e assumam a responsabilidade pelos seus atos. Não serão pessoas melhores apontando o dedo para o céu e se excluindo de sua culpa (Assim ele quis! – diz o fraco) ou para o chão (O demônio me persegue! – diz o outro, tão fraco quanto o anterior, e com mania de perseguição). Cresçam!

Amigos, estamos aqui, então façamos o melhor. Nada de meia boca, nada de mais ou menos. Vamos nos entregar por completo, apontar o alvo e partir. O mundo não é apenas dos espertos, é dos corajosos, daqueles que não tem medo de mudanças, de arriscar, de ir em frente e sair da posição de conforto. Nem caranguejo, na verdade, anda para trás como dizem, ele anda para o lado, o que facilita e lhe dá esperança de um dia ir também para frente.

Teremos dificuldades como em todos os anos, mas o que seria do mundo sem elas? Um tédio, com certeza. E tédio mata ou cria o desejo de morrer. Então que tal sorrir um pouco mais?! Bom humor é um santo remédio, a oração dos corajosos. Já pensou no quanto você ganha quando resolve olhar o mal ocorrido de outra posição, de fora? Pode até sorrir de si mesmo. Eu sei, sou meu maior motivo de riso.

Um filósofo de quem gosto muito, o italiano Giorgio Agamben, em seu livro O que é o contemporâneo? e outros ensaios (2008)¹, fala do distanciamento que o homem deve ter de seu próprio tempo para ser um verdadeiro contemporâneo, para entendê-lo por completo, pois, segundo ele, “Aqueles que coincidem plenamente com a época, que em todos os aspectos a esta aderem perfeitamente, não são contemporâneos porque, exatamente por isso, não conseguem vê-la, não podem manter fixo o olhar sobre ela” (p. 59). Diz ainda que 

Pertence verdadeiramente ao seu tempo, é verdadeiramente contemporâneo, aquele que não coincide perfeitamente com este, nem está adequado às suas pretensões e é, portanto, nesse sentido, inatural; mas, exatamente por isso, exatamente através desse deslocamento e desse anacronismo, ele é capaz, mais do que os outros, de perceber e apreender o seu tempo (p. 58-9).

Mas William, o que isso quer dizer, jovem mancebo? Bem, o que Agamben diz é que precisamos de distanciamento para ver melhor, quando estamos muito dentro do tempo não vemos completamente.

Se trouxermos isso para a observação do mal sofrido, para a análise das dificuldades de que eu falava antes, daquilo que deu errado, de uma dor sofrida, uma decepção, um fracasso, e observarmos esse fato de fora; se nos ausentarmos de dentro de nós como vítimas e nos colocarmos na posição de observador de nós mesmos como outro, então teremos uma nova visão do ocorrido. Seremos mais contemporâneos de nós mesmos, pois nos veremos melhor. Isso nos deixará ver toda a abrangência do mal sofrido, é verdade, mas, acima disso, deixar-nos-á ver caminhos, os que nos trouxeram a esse mal e o que pode nos tirar dele. Até mesmo nos deixará sorrir do nosso sofrimento, do nosso drama, quando o mal não era para tanto – e quantas vezes ele não era! Não vamos nos deixar cegar pela dor e pelos sentimentos de derrota como: “Nada presta”, “Minha vida é uma droga”, “Deus me odeia!”, “Nada dá certo na minha vida” etc.

Voltando a Agamben, “Pode dizer-se contemporâneo apenas quem não se deixa cegar pelas luzes do século e consegue entrever nessas a parte da sombra, a sua íntima obscuridade” (p. 64).

Parodiando suas palavras para o que nos interessa aqui: realmente melhor conhece a si e ao mundo, ao que ocorre ao seu redor, apenas quem não se deixa cegar pela dor do momento, e consegue entrever, vislumbrar nessa dor o que está escondido, o que não pode ser revelado se nos deixarmos tomar pela sua luz. Encontraremos a verdade se conseguirmos ver o que está na obscuridade e só aparece àquele que busca ver com outros olhos no escuro – ainda diria Agamben em outro momento.

É que no escuro ativamos, como afirmam os neurofisiologistas, uma série de células periféricas da retina, chamadas off-cells, que entram em atividade e produzem uma espécie particular de visão que chamamos de escuro. Essa visão do escuro seria a nossa forma de neutralizar as luzes de fora e descobrirmos o que de especial estava escondido e não havíamos visto tomados pela luz.

Então, na dor, descubramos uma forma de ver o que está à sombra dela; sua resposta pode estar ali. Sejamos completamente contemporâneos de nosso momento, ou seja, vejamos todos os aspectos dele não nos deixando cegar pelo fácil, pelo que está na luz; nem sempre nas sombras moram os monstros da nossa infância, muitas vezes moram os tesouros escondidos na caverna de Ali Babá (desde que não sejam roubados, por favor, já chegam os nossos políticos para tanto!). Portanto, olhem no escuro e vejam!

E assim me despeço do ano e de vocês para nos vermos, mesmo sem ver, em 2016, que deverá ser um ano duro. Mas não pensemos nisso, vamos vivendo, construindo e, quando menos esperarmos, poderemos ter algo novo e melhor; afinal, como já diziam muitos antes de mim, não é o resultado que realmente importa, mas o caminho até ele. Esse caminho é nossa vida, e o que fazemos dele é que nos define e nos cria.

Feliz 2016 a todos!



Imagem: Vilhelm Hammershoi, La Cour Intérieur, 1905.
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¹ Giorgio Agamben. O que é o contemporâneo? e outros ensaios. Trad. Vinícius Nicastro Honesko, Chapecó: Argos, 2009.

8 comentários :

  1. Beleza, Lial. A gente pensa O que é que muda? Bobagem. Mas a gente precisa dessas viradas, como as dos fins de semana, pra não sentir que está dirigindo no deserto. Peguei um retão, uma vez, de Assunção até Buenos Aires, pra nunca mais. Grande ano pra você, e toca o bonde. W. J. Solha

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    1. Na verdade, Solha, sabemos que não há uma real mudança. São convenções que nos ajudam a nortear as coisas, as tarefas, e nos dão algum fôlego novo. Pois realmente precisamos, como você falou, dessas viradas, precisamos do ócio criativo de Domenico de Masi, do direito à preguiça do genro de Karl Marx, o francês Paul Lafargue, ou seja, precisamos de intervalos para refletirmos sobre longos períodos vividos - 365 ou 366 dias são muitos dias :-) - para mudarmos algo, continuarmos no caminho ou simplesmente respirar.

      Que você tenha um ano maravilhoso pela frente!

      Um grande abraço, meu amigo. Você tem sido um grande companheiro por aqui.

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  2. Ótimo texto. Não é comum se encontrar coisas tão bem escritas aí pela rede. Parabéns!

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    1. Obrigado pela gentileza, Winter!
      Um grande abraço, Feliz 2016 e volte sempre!

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  3. Que beleza, William Lial, poder começar o ano lendo você! Eu gostei dessa forma de desvendar o problema olhando pelo lado mais escuro como num esconderijo para perceber melhor o que de real existe nas situações. Vou tentar levar isso para a vida prática.

    Muito grata. Bom estar sempre perto mesmo longe. Abraços! Sonia Salim

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    1. Sonia, é sempre bom ter você por aqui. Uma de minhas mais fieis leitoras. E que bom que gostou da opção de leitura de si mesmo e do seu redor.

      Um abraço carinhoso e Feliz 2016! cheer

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  4. Muito bom! Nos leva a diversas reflexões e nos encoraja a novos desafios. Ler é um mundo de descobertas mesmo. Feliz 2016!

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    1. Obrigado pela leitura e pelo comentário. Mas gostaria de saber quem é você para poder agradecer com mais "precisão", digamos assim. :-)
      Feliz 2016 para você também!

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