08/08/2013

agosto 08, 2013
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Ser livre. Deixar-se gostar. Viver-se no outro e o outro em si. Viver os dois em si, para viver no outro os dois. Não viver sob o julgo do amanhã e de que, lá, tudo poderá mudar; porque o eu de hoje quer abraçar o que vê hoje; o eu de amanhã, mesmo que em mínimos detalhes, será outro, será o de amanhã, que não conseguirá dar o beijo de hoje porque não será hoje, será amanhã, e o beijo ficará atrasado com sabor de beijo passado.

Ser livre é dizer que quero aquele cheiro agora, porque nasci de novo esta manhã ― como renasço sempre todas as manhãs ―, e algo em mim me disse que queria aquele cheiro agora, e é agora que eu vou buscá-lo. Cheiro de hoje com gosto de Para Sempre, mesmo que nada seja para sempre ― que me importa?!

O Para Sempre é o tempo enquanto dura esse Para Sempre. Então, por que desperdiçar a chance de viver para sempre a experiência que pode durar o Para Sempre de um inesquecível minuto? Antes a eternidade de um minuto do que um minuto eterno de espera.

Prefiro tomar uma tapa após o beijo do que nunca beijar, e o tempo me tapear eternamente. Prefiro não ter medo de dizer sim e morrer herói jovem, do que dizer não, e viver a covardia eterna de não ser livre. Pois quero a chuva que cai agora, mesmo que me digam que cairá outra amanhã. A de amanhã, será a de amanhã; outra água, outro dia, outro Eu que poderá não querer chuva amanhã. Então digo sim e me banho agora, na chuva de agora, porque o agora existe, e o amanhã, ainda não. Não vivo de amanhãs...

Na noite passada, ela passou silenciosa, mas seu cheiro fez barulho. Sou livre, não sou?! Fui buscá-la na hora! Por que se esquiva de mim? ― perguntei-lhe. Não sei se quero você, estou confusa! ― falou-me com voz de não-sei e tristeza de queria-saber. Você pode me dar um tempo para eu pensar? ― sugeriu-me quase me pedindo um beijo. Quem espera não avança  ― eu disse  ― querendo um beijo. O que isso quer dizer? ― perguntou-me com cara de você-me-quer? Quer dizer que... ah quer saber?! Eu vou mostrar o que quer dizer. E dei-lhe um beijo daqueles que só um como-eu-quero muito grande pode conseguir.

Daí? Daí ela namora comigo, agora. Desde ontem, quando a beijei. Ser livre é beijar, para depois falar. É dizer Eu a quero, antes de conjecturar se no futuro ainda vai querer. Quererá outra, se for o caso, mas poderá querer a mesma também, por que não? Há amores que perduram. Por que não?

É, amigo, o estranho também existe, ou você acha que todo mundo é normal ― ama pouco, deseja muito, vive solitário, não encontra ninguém e pensa que a vida é uma droga?! Não, meu querido, há gente doida por aí que se entrega, chuta o balde, grita Eu te amo, porra! e ainda tem o desplante de viver com essa pessoa um Feliz Para Sempre com mais beijo do que tapa.

Ah, meu querido, só porque nunca viu acha que não existe? Neste mundo tem de tudo! O importante é não deixar de tentar e seguir beijando; uma hora, quem sabe, você encontra a boca certa e vira doido: ama para sempre. Sabe por quê? Porque ser livre é não ter medo de correr o risco de amar durante a eternidade de um momento, muito menos durante a eternidade de um Para Sempre! Nada é para sempre, talvez! Mas quem se importa?! Se o Para Sempre é cada tentativa que se acredita que é para sempre, então não tenha medo, e viva cada Para Sempre que tiver! Seja livre! O amanhã é que deve esperar por você, não você pelo amanhã. Faça! Faça já! Ser livre é não se desperdiçar!




Texto publicado inicialmente na revista Labirinto Literário, Rio de Janeiro, nº 32, p. 29, jun./jul./ago., 2013.
Imagem: William-Adolphe Bouguereau, Evening Mood, 1882.

10 comentários :

  1. Valeu, William. "O amanhã é que deve esperar por você, não você pelo amanhã".

    Solha

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  2. Obrigado, Solha!

    Um grande abraço!

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  3. ADOREI, POETA!
    Você usou as palavras com total liberdade e sentimento. Viva a liberdade e a eternidade do momento!

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  4. Aprender a viver no presente é um presente. Parabéns, William!

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  5. “Na noite passada, ela passou silenciosa mas seu cheiro fez barulho.“ Adorei isso!

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  6. É, Kakita, mesmo na prosa a poesia me fala mais alto.

    Obrigado pela visita!

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  7. William, eu amei toda essa liberdade do texto! Abraços!

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  8. Que bom, Sonia. É bom libertar-se... Obrigado pela visita. Abraço!

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