14/07/2013

julho 14, 2013
12

Ah, mundo,
Não tenho a ignorância que necessito
para viver sem a dor da existência,
sem o conhecimento da verdade,
sem a avaliação do sim e do não.

Somente a ignorância pode me livrar
da dúvida shakespeariana
do ser ou não ser;
somente ela pode me trazer
o comodismo do silêncio,
afastando-me de toda a balburdia
das vozes que me indagam questões vis,
e insistem nas respostas.

Apenas a ignorância pode me aposentar
desta angústia do saber,
de não ignorar o choro de quem me vem
em busca de alívio.

Somente a ignorância
far-me-ia viver como os outros;
somente ela me faria semelhante
aqueles que me cercam;
apenas ela
afastar-me-ia do que me tornei;
ela que sempre repudiei,
e repudio agora,
porque mesmo
com toda a dor,
com toda a falta de ar,
e toda a clausura,
sou o que vejo diante do espelho
e, quase sempre,
nos olhos dos outros;
porque mesmo como toda
a diferença,
com todas as línguas afiadas,
digo:
bendito eu seja por não viver nas trevas!



In: LIAL, William. O mundo de vidro. Fortaleza: Imprece: 2005. p. 96.
Imagem: Iman Maleki, All alone, 2000.

12 comentários :

  1. Beleza, Lial. Esse é daqueles poemas que a gente escreve na pior hora para o homem e na melhor para o poeta.

    Solha

    ResponderExcluir
  2. É, o dilema está posto: treva confortável (a ignorância) ou treva consciente (o saber). Penso que a gente deve manter sempre aquele lema camusiano em mente: "Importa mais ser consciente do que ser feliz". Pra nós, que sabemos, a felicidade pode ser mais plena, porque sabida.

    ResponderExcluir
  3. É, Chico. Também concordo que o melhor é saber. E é mais fácil sentir tudo se souber que está sentindo.

    ResponderExcluir
  4. Muito bom, Lial!! O drama é esse mesmo, né? Saber é sofrer, ignorar é planar. O problema de ignorar é que nem se percebe quando os ventos mudam e cai-se do "céu" sem sequer entender por que. Viver na ignorância do mundo e de si mesmo (e de si mesmo no mundo) é um tipo de "felicidade" muito frágil, entregue de antemão ao desígnio de outros. Concordo plenamente, adaptando: bendito sejamos por não vivermos nas trevas!
    Abs,
    Novaes/

    ResponderExcluir
  5. É isso mesmo, Novaes/. Viver na ignorância do mundo que nos circunda é não viver plenamente. Abstendo-se de sentir, ver e sofrer, abstém-se também das alegrias que podem vir após as tormentas - sem querer cair no lugar comum, mas já caindo. A vida é feita de bons e maus momentos, vivamos todos, sem medo. A fragilidade, como você disse, dessa felicidade no obscuro, é facilmente convertida em miséria ao primeiro sopro contrário.

    Obrigado pela leitura, Novaes/.

    ResponderExcluir
  6. Willian, meu caro, adorei seu poema. Esses versos "Não tenho a ignorância que necessito
    para viver sem a dor da existência," é como uma paulada na consciencia. Certa vez num pico de surto existencial pedi a Deus que fizesse com que eu não sentisse mais, que fosse como as pedras, depois do surto, fiquei a imaginar se as pedras também não sentem e como girafas não emitem sons, mas isso não quer dizer que não sintam.

    Sabe, nunca terminei de ler "notas de subsolo" de Dostoievski, parei na parte em que ele diz que a consciencia é uma doença da qual o doente não quer se curar (ou algo mais ou menos assim), tal como seu eu lírico, prefere a dor à dormência da ignorância.

    ResponderExcluir
  7. Obrigado, Helene. Muito bonito isso que escreveu, seu depoimento. A consciência é um peso que precisamos e devemos carregar. Acredito ser melhor saber porque sente do que sentir sem saber porquê.

    Um abraço!

    ResponderExcluir
  8. “Apenas a ignorância pode me aposentar desta angústia do saber“. Sim, o saber é um fardo que, tal qual o trabalho, nos consome. Podemos nos aposentar do nosso trabalho e esquecê-lo. Podemos ter um descanso diário do trabalho. Mas do saber, do conhecimento do bem e do mal, deste não há descanso nem aposentadoria. Esta consciência da nossa condição humana nos fustiga, dia e noite. Às vezes penso que são mais felizes os que vivem e dormem aninhados no coração das trevas da ignorância do bem e do mal. Posto que, se não sabem, são inocentes.

    ResponderExcluir
  9. É, Kakita, já pensei sobre essa "liberdade" quando se é ignorante do mundo. Mas julgo que não seja realmente bom para a felicidade. O pequeno saber traz um universo menor, portanto, menos perigoso, mas com menos prazeres, com menos descobertas, menos horizontes. Assim, ainda prefiro o conhecimento.

    Obrigado pelo comentário, minha amiga!

    ResponderExcluir

Voltar ao topo