23/07/2013

julho 23, 2013
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Hoje eu estava ouvindo, quase dançando e regendo, a música Floresta do Amazonas, de Villa-Lobos — na verdade, regida pelo próprio e cantada pela maravilhosa Bidú Sayão —, uma obra linda; mas enfim, eu a estava ouvindo e percebi mais uma vez que tenho para com a música a mesma atitude que tenho para com as leituras.

Ao ouvir música, cometo as mesmas pantomimas que, na maioria das vezes, quando lendo: caminho, danço ou quase danço, gesticulo, falo alto, converso com meus espectadores e apreciadores inomináveis, pois os sonho, mas não inefáveis, pois posso defini-los, mas não nomeá-los, como filosofaria Compagnon. Na verdade, seja qual gênero musical for, Clássico, Rock, Jazz..., pareço mesmo um peripatético a estudar e escutar enquanto caminho, enquanto valso com as palavras e os pensamentos que já sobrevoam o ambiente com vontade de chegar mais longe — mesmo motivo por qual escrevo.

Quando digo peripatético, refiro-me aos filósofos da Escola Perípatos (ou Peripatética) de Aristóteles, seu fundador. Como peripatético é a palavra grega para ambulante ou itinerante, ou ainda para os que passeiam (perípato significa “passeio” em grego), e Peripatéticos eram os discípulos de Aristóteles que ganharam esse nome devido ao hábito do filósofo de ensinar ao ar livre — caminhando sob os portais do Liceu, onde fundou sua primeira escola filosófica, ou sob as árvores, enquanto lecionava —, devido a isso, os que têm atitudes semelhantes muitas vezes são designados com o mesmo nome. Assim, com menos merecimento, ou nenhum, respeitando as inúmeras diferenças de um e outro, pareço-me peripatético enquanto leio, estudo ou escuto música. E gosto disso, sinto o texto e a música mais presentes, como se eu estivesse numa sala de aula, lecionando.

Porém, não é sempre que ando a caminhar com as palavras, sejam literárias e filosóficas, sejam musicais. Há momentos que a cadeira é o único lugar onde posso continuar o que comecei, onde posso escrever, mesmo quando escrevo à mão — e ainda faço muito isso —, além do mais, não posso ler o Guerra e paz inteiro em pé, a lê-lo em voz alta e a interpretar os diálogos e voz do narrador para plateia imaginária; em algum momento minhas pernas se revoltariam, “Ô meu querido, dá para sentar aí ou tá difícil?!”. Além do mais, também gosto de sentar à minha biblioteca, sentar ao jardim, no fim da tarde, à sombra, e ler sentido o vento a me rodear, como também tenho momentos de absoluto silêncio e quietude ao ouvir música à noite, sentado, apenas ouvindo e sendo tomado pelo som.

Contudo, e este é o motivo deste superficial relato, há momentos em que é bom um pouco de “peripateísse”. Experimente, se já não o faz, seja o louco dos livros, seja o maestro com braços de polvo da música a imprimir gestos marciais e firmes ao final dos fortes acordes. Rejo orquestras desde a minha infância, mas nunca regi uma orquestra, sou apenas eu e o meu aparelho de som, ele de frente para mim, eu de frente para ele, finjo que rejo, e ele finge que é regido. Porém, se sinto reger, se vejo a música, então rejo, que me importa o fingimento do meu aparelho de som?!

Enfim, as artes se nos dizem livres e libertadoras, então por que não podemos nos libertar, vez por outra, também das amarras da cadeira e do silencioso e humilde gesto de sentar e calar?!

E você, lê andando, escuta música regendo ou é do tipo leitor/ouvinte pacato?



Imagem: Gustav Adolph Spangenberg. Escola de Aristóteles, 1880.

4 comentários :

  1. Rrsrsr, Sou de muitos tipos, recebo as artes sempre num processo catártico. As vezes o corpo está imóvel, mas a alma é puro movimento interno. Outras vezes o corpo não suporta tanto movimento interno e acaba se movendo tanto quanto a alma.

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  2. Obrigado pelo comentário, Helene.

    Sobre os movimentos, a verdade é que sempre nos movimentamos, de uma forma ou de outra, rs!

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  3. Olá, Willian Lial, sou um incorrigível e juramentado peripatético. Diria mesmo que ando me aprofundando na "peripateísse", atingindo níveis já de "peripatetice" a ponto de quase ser atropelado ou confundido com louco, pois além de andar, falo comigo mesmo. Se não bastasse falar, discuto e gesticulo. Isto ocorre porque também ando a escrever e quando dano a "conversar" com os textos esqueço um pouco do mundo à volta. Mas é bom, faz-me bem. Um abraço e parabéns pelos textos.
    Carlos Rosa Moreira.

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  4. Acredito que somos muitos por aí, Carlos, meio loucos a falar com seres invisíveis.

    Obrigado pela visita, leitura e pelo comentário.

    Um abraço!

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