17/02/2010

fevereiro 17, 2010
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(Tente ler em voz alta, e não perca o fôlego!)


... Então ele correu, correu, correu, em frente, direto em frente, sempre em frente, correu, correu, mais rápido, mais rápido, um, dois, três, quatro quarteirões, correu, correu, correu, virou à esquerda, olhou para trás, correu, correu, correu, virou à direita, e olhou para trás, mais rápido, mais rápido, mais um, mais dois, mais três, mais quatro quarteirões, esquina à direita, esquina à esquerda, desceu a ladeira, quase aos tombos, freou, quase caiu, correu pelo leste, a rua acabou, virou pro norte, seguiu, respira, respira, virou pro oeste, rua longa, bom, bom, bom, correu, quase voou, decolou, subiu, coração aos saltos, garganta seca, olhos acesos, testa encharcada, ninguém é de ferro, ninguém é de ferro, ninguém é de ferro, não se foge para sempre, não se foge, não se foge, cansou, cansou, cansou, o coração prestes a se cuspir pela boca, a boca seca a rasgar a garganta, os olhos vidrados no vazio, o suor a escorrer frio pelo rosto, as pernas bambas a curvarem-se, a salvação a fugir inalcançável, o relógio a tiquetaquear às costas, o tempo a tocar-lhe o ombro, não paro, não paro, continuou, continuou, correu, correu, a calçada, a calçada, íngreme, íngreme, vou pular, vou pular, droga, quase caio, olha o degrau, o degrau, levanta, levanta, eu não mereço, continua, continua, levanta a cabeça, levanta a cabeça, a respiração, a respiração, o coração não vai agüentar, não vai, não, não vai, respira, respira, volta pra rua, olha o buraco, salta, salta, cansou, cansou, não vai agüentar, não vai, não, não vai, não se foge, ninguém foge, não vai agüentar, não vai agüentar, a boca não fecha, os olhos se embaçam, o coração trôpego, tropeça, os joelhos se curvam, as pernas se abrem, os pés se torcem, e os braços, os braços, pêndulos jogados, inanimados, largados, porque, porque não se foge, não se foge do tempo, não se foge nunca do tempo. Ele sabe. Ele sabe... Sabe... O tempo sabe... Ele sempre sabe que nosso fôlego uma hora acaba.




Imagem: Gustave Courbet, Desparate man, 1944-45.

11 comentários :

  1. [chegado no final, descanso respira, deixo que a palavra transpire, regresso mais calmo e retomo o fôlego; de quem a fuga? de quem o passo que a toma?]

    um imenso abraço, William

    Leonardo B.

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  2. Cansei só de ler! Coitado do fugitivo...

    Grande abraço,

    Cristine

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  3. Meu Caro William

    para além das palavras, há momentos em que outras provas falam também... lá na minha esplanada, para além dum grande e imenso abraço, deixo:

    http://impressoesdigitais2.blogspot.com/2010/02/condecoracoes-estampilhas-e-outros.html

    Leonardo B.

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  4. Cronos domina tudo, não há rua, esquina e velocidade capaz de fugir de seus titanicos olhos.

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  5. Leonardo, obrigado pela leitura. Algumas vezes falta-nos fôlego. E obrigado também pelo selo. Um grande abraço!

    Cristine, correr cansa, e ler como se corresse também. Um beijo e obrigado!

    Lisa, Saturno não perdoa. Um beijo e obrigado pela leitura, ma bela!

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  6. Se vc puder
    Está acontecendo até o dia 07/03 a BlogagemColetiva,
    proposta pelo blog http://fio-de-ariadne.blogspot.com
    Meu Oscar Vai Para:
    Venha conferir e comentar minha participação no:
    http://sempretensoesamorcontos&causos.blogspot.com/
    Will,
    Boas energias
    Mari

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  7. Ritmo intenso. Minha respiração suspensa. Rápido e envolvente. Uau!!!

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  8. Kakita, não digo que é esta a ideia central do texto, não é, mas o escrevi da maneira que está com a intenção também de causar essa suspensão na respiração. E que bom que a envolveu o texto.

    Obrigado por vir!

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  9. Oi Lial!

    Vontade de estar num lugar onde o tempo pare, no pa'is do "nunca", mas viva, heim! Esse seu texto me deu essa vontade, me lembrou minha antiga aflição. Muito bom r'itmo. Adorei, como tantos outros q tenho lido embora nem sempre deixe comentàrios.

    Obrigada pela sempre calorosa recepção,

    Um super abraço!

    Cybèle

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  10. Há, Cybèle, minha franco-brasileira, rs, eu é que agradeço as leituras e comentários.

    Não sei se você sabe, mas esse texto foi encenado por um grupo de teatro de São Paulo na época que eu o escrevi. Trara-se de uma apresentação de 1 minuto e meio. Se não viu, ele é o primeiro vídeo dessa lista abaixo (o segundo sou eu declamando um dos meus poemas):
    http://www.youtube.com/playlist?list=PL7FC11DE42C5BD0E6

    Aumente o volume no seu computador, pode estar baixo.

    Divirta-se!

    Um abraço carinhoso!

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