20/11/2011

novembro 20, 2011
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Muitos são os Rituais de passagem nas mais diversas culturas, como o famoso Rito de passagem da juventude dos índios Cherokee. Dentre todos, alguns são simples, religiosos e edificantes, como o Cherokee, e facilmente aceitáveis por cidadãos de qualquer civilização, já muitos outros causam espanto e assustam até os mais abertos homens de cultura e erudição. Você que me lê agora conhece o abissal Rito de passagem da juventude Tupiniquim?

Esse talvez seja o mais cruel e austero dos Ritos de passagem já registrados pelos antropólogos. O tal rito ocorre da seguinte maneira: o pai leva seu filho para uma das muitas Florestas de Pedra da nação Tupiniquim ao fim da tarde, venda-lhe os olhos e deixa-o sozinho, acreditem, sentado num banco de praça de uma grande cidade durante toda a noite, sem poder, em hipótese alguma, remover a venda de seus olhos até que as luzes do sol toquem seu rosto ao raiar do dia seguinte.

O jovem Tupiniquim não pode gritar por socorro. Deve ser firme, duro, inquebrantável diante de qualquer intempérie que possa lhe agredir durante as horas que se encontrar ali sentado. Porém, se o jovem vencer o sacrifício dessa horrenda noite, será considerado um Homem.

Contudo, há ainda outra obrigação: não poderá contar sua experiência aos outros jovens quando retornar ao seu lar porque cada um deve tornar-se Homem a sua própria maneira, enfrentando, desavisado, o medo do desconhecido.

É claro que durante a pavorosa noite o jovem encontra-se visivelmente amedrontado. Os boatos, as narrativas que costumam chegar ao lar dos jovens são sempre as mais assustadoras possíveis. O mundo de fora, mesmo amenizado pelos discursos de seus pais, parece-lhes sempre um carrossel de horrores.

Entretanto, durante a noite, o mancebo pode ouvir toda espécie de barulho, os seres mais selvagens podem estar a sua volta, até mesmo alguns desses habitantes das cidades podem feri-lo, notívagos virulentos podem vir picá-lo, sussurros suspeitos podem lamber seus ouvidos, ele pode sentir frio, fome, sede, calafrios, mas o futuro Homem não poderá fraquejar. O vento pode revolver entulhos e chacoalhar portas de metal que vibrarão feito trovões, rasgando o silêncio tumular que o envolve, mas o jovem não poderá remover sua venda, nem abandonar seu banco, sua praça, seu posto.

Segundo os Tupiniquins, este é o único modo de um jovem tornar-se Homem. Mesmo que sua vida seja entregue ao perigo das cidades modernas, às praças noturnas que só de ouvirmos falar já sentimos tremer nossas entranhas, mesmo assim, o ritual precisa ser realizado. Que Homem seria mais Homem do que aqueles jovens que resistem a todos os medos e ali, naquelas praças ameaçadoras, permanecem imóveis, mesmo sabendo, ou suspeitando, da maldade que os cerca?

Mas eis que então, após a noite assombrosa, quando o sol toca a pele do infeliz ali naquele banco, a venda lhe é removida e seus olhos, infelizmente, voltam a ver, deparando-se com o saldo da noite sofrida: seu pai deitado no chão, ali do lado, ferido, apenas em cuecas, fraco, de olhos assombrados e gastos pelas visões infernais.

O pai, como todos nesse ritual secular, não abandona seu filho, fica ali do seu lado durante toda a noite protegendo o menino que quase sempre perde apenas as roupas – o quê, aliás, é a única coisa que esses garotos carregam consigo. Os toques e as bolinações que sofreu durante a noite nunca mais lhe serão esquecidas, como nunca foram por seu pai. As mãos que o tocaram enquanto lhe levavam as vestes e lhe atacavam o corpo, enojarão sua pele por muitos e muitos anos. Contudo, rezará aos deuses por não o terem deixado morrer.

Cruel, porém esse é o ritual, essa é a lei. Só os Homens de verdade são capazes de sobreviver a uma noite nas praças, em meio a tantos perigos. Esses Homens são Heróis, dizem os estudiosos.

Enfim, dessa forma virulenta o jovem mancebo torna-se um Homem, um Tupiniquim adulto e conhecedor do mundo que terá pela frente. E também aprenderá uma grande lição.


Moral da história:

O jovem aprende que ninguém jamais está sozinho! Mesmo quando não percebe, salteadores estão a espionar, espreitando por detrás de prédios, carros, pessoas ou ternos.

Quando os problemas vêm, tudo o que o jovem Tupiniquim tem a fazer é nunca mais se prestar a rituais truanescos de maturidade porque os bandoleiros sempre atacarão protegidos pela escuridão das cidades acrimoniosas que os “acolhe”.

Não é porque não se vê os meliantes que eles não estão fungando no seu incauto pescoço. É preciso caminhar pela proteção dos sentidos atentos e não confiar em todo vento que lhe toca o rosto; ele pode ser o bafo de um marginal metropolita.



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Imagem: Antonio Bandeira, A grande cidade iluminada, 1953.


2 comentários :

  1. William, gostei muito desse texto, bastante cômico e digamos que temos uma nova leitura do ritual dos Cherokee, porém, com um pouco mais da maldição das cidades...rs! Adorei o "banco da praça", ao ler essa frase arrepiei, pois imediatamente me veio os terríveis pensamentos do que se pode acontecer a um certo jovem "dando sopa", ainda mais vendado, num banco de uma praça de uma cidade qualquer! Imaginei imediatamente os abusos, a violência física (ainda bem que ele escapou de ser queimado vivo ou de ser espancado pelo pessoal do "Ronda"), tudo que se pode acontecer com um jovem "desprotegido. Mas ainda bem que seu pai ainda estava lá, dali penso que ele vá passar umas férias em algum manicômio público, mas tudo bem, o importante é que o ritual foi cumprido. E viva os tupiniquins!
    Abraços e beijos :)

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  2. Marcia, obrigado.

    Vejo que você compreendeu toda a força do ritual secular Tupiniquim. É um momento crucial na vida do futuro Homem.

    Um beijo!

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