Nas noites em que vivi
I
Nas noites em que vivi,
Presenciei homens subjugados
Pelas amarras de outros homens.
Assisti a gritos horrendos
Expurgando dores atrozes
Infeccionadas por faces grotescas.
Fui hospede do mal
Quando o mal era a única
Coisa viva nos guetos nebulosos
Protetores de raças insanas,
De humanos ingratos
Para com a vida que receberam.
Vi pernas bambas como árvores à tempestade
Dançando macabramente ao vento,
Fugindo de outras pernas
Menos bambas
Como forte titã
Que, empedernido, não desistia de sua vítima.
Vi bocas rasgadas
Arquejando salvação,
Quando as cruzes, agora de ponta-cabeça,
Perfuravam corações
Há muito enganados
Pelas orações improfícuas.
Vi meus olhos fecharem-se
Diante o clamor do homem
Que vagando após a inglória
Levantava os braços
Clamando a um deus
Que jamais acreditou,
O perdão que cria benemérito
Pelo sangue que derramou.
II
Nas noites em que vivi
Assombrei-me com nuvens pouco esparsas
Que acariciavam o céu
De negro azul,
Num balé de fumaça torpe
A ser tragada pelo ar furtivo.
Como se estacionassem sobre as casas escuras,
Tocavam-lhes os telhados,
Mas partiam sem reserva
A outro mundo por vir.
Algumas vezes observavam os homens
Abaixo a destruírem-se,
E pareciam ser parte daquilo.
Como se olhassem cínicas,
Seus pupilos devorarem-se.
Eram como deusas
Que observavam seus súditos,
Vestidas em longas vestes madrigais
Esvoaçando aos quatro cantos,
Como seda negra solta ao vento.
Quase as ouvia dizer,
Sedutoras e frias:
Vamos queridos.
Sejam bem vindos.
A abrirem os braços
Como se acariciassem
Aqueles pseudo-homens,
A infernizarem-se
Em suas próprias fezes.
Poema extraído do meu livro Noturno, publicado em 2003.
Imagem: Andrew Wyeth(1917-2009), Wind from the Sea, 1943.
Ah, que poeticamente encantador.
ResponderExcluirSucesso meu amigo.
Abraço infinito
Sempre elogio , mas não há como não fazê-lo! Você tem o dom / além da técnica ! Parabéns Amei!!! sylvia Ah! hoje tem teatro c a peça da Verinha [filha] Aliás , amanhã ! Abraços
ResponderExcluirSimplesmente lindo!
ResponderExcluirbjs
Mari
MARAVILHOSO!!!! É incrível como transita entre os gêneros, muito bom conhecer seu lado trágico.
ResponderExcluirbeijos e te acompanho sempre na Cronópios, é que o tempo é tão curto que acabo não comentando
@Mozileide, obrigado. Sempre gentil! Um carinhoso abraço!
ResponderExcluir@Sylvia, sempre presente. Obrigado por tudo, elogios e leitura assíduo. Um beijo!
@Mari, obrigado, minha linda. Um beijo!
@Márcia, é muita generosidade sua achar que transito bem entre os gêneros, mas gosto de estar entre eles. Um beijo e obrigado por me acompanhar.
Falando em comentários, seu texto A Fuga, ficou maravilhoso, vou mostrar para meus alunos.
ResponderExcluirbeijos
Vim agradecer por este instante de "levitação". Todas as vezes que leio um pelo poema, me sinto mais leve, mais completa e mais feliz...
ResponderExcluirBaci! :*
Adorei o comentário da Bruna ! Concordo!!! Syl
ResponderExcluirBruna, minha bela italianinha, rs. Que bom poder fazer você feliz. Baci!
ResponderExcluirSylvia, obrigado. Sempre gentil.