O livro de nome atraente, De repente, nas profundezas do bosque, trata-se de uma espécie de fábula moderna, com temas alegóricos atuais, como a discriminação, a convivência com o outro, a integração do homem com a natureza ― como partes de um só corpo ―, a necessidade de ver a realidade acima do que se toca, ver, ou escutar, e a independência de espírito contra o obscurantismo, melhor representado com a menina contestadora, Maia, que com o seu amigo Mati, nada corajoso, ao contrário da amiga, entra no bosque em busca de respostas para o sumiço de todos os animais, insetos e peixes de sua aldeia.
A aldeia está repleta de deboche, discriminação e preconceito para com todos os que se comportam de modo diferente, ou para assuntos ligados aos animais ― seres que as crianças nunca viram nem acreditam que existam. A aldeia se localiza no fim do mundo; após ela, nada mais existe. E todo o sumiço dos animais é atribuído ao demônio da montanha, suposto Nehi, e não aos maus tratos praticados aos animais, no passado, pelos homens.
Sob o peso da figura de Nehi, os adultos alimentavam em seus filhos o medo da noite, pois “Nunca, mas nunca mesmo, de maneira alguma, mas de maneira alguma de verdade, diziam os pais aos filhos, que nunca e de maneira alguma se atrevessem a sair de casa depois de escurecer” (p. 35). Uma série de negativas que reforçavam a ideia de medo, temor e perigo que esse “monstro” representava para todos, principalmente para as crianças.
Porém, na mão de dois garotos fica a possibilidade de mudar a forma como os homens se relacionam entre si e com o mundo a sua volta, como parece dizer-lhes certo peixe que o casal encontra no rio, olhando-os “como se sugerisse à Maia e Mati que todos nós, todos os seres vivos sobre este planeta, pessoas e animais, aves, répteis, larvas e peixes, na realidade todos nós estamos bem próximos uns dos outros, apesar de todas as muitas diferenças entre nós” (p. 45-6). Uma verdade eu Maia pretende provar a todos.
Além desses juízos, o texto também é rico em metáforas bem construídas, imagens que aclaram e facilitam a visualização das cenas que se desenvolvem diante do leitor, como em: “Danis, o consertador de telhados, às vezes soltava uma risada profunda e rouca como uma avalanche de pedras” (p. 21), o que nos permite imaginar um riso grave e estridente; ou em “Blocos de sombras estremeciam nos caminhos da aldeia” e “Ventos frios da montanha sopravam ocasionalmente e sussurravam nas copas das árvores e nos arbustos” (p. 22), produzindo um ar sombrio à narrativa, ao mesmo tempo em que nos leva a sentir esse vento à nossa nuca, bem como essas sombras fortes, e talvez móveis, a nos atrair a atenção; ou ainda em “a fúria do rio entre os dentes das pedras” e “viam só uma escuridão exalada da goela da gruta” (p. 62), transformando o que poderia ser meros coadjuvantes imóveis em seres animados, dotados das mesmas faculdades expressivas dos seres humanos, aproximando assim, ainda mais, os homens do restante da natureza e do mundo em que vive.
Portanto, além de tratar dos temas caros à sociedade, como a vida em comunidade, a hipocrisia, a mentira e a intolerância, esta fábula de Amós Oz, publicada em 2007, neste tempo em que a natureza é tema vigente em reuniões e demais encontros pelo mundo, demonstra-se bastante atual.
Imagem: capa do livro.
In: OZ, Amós. De repente, nas profundezas do bosque. Trad. Tova Sender. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
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