05/05/2009

maio 05, 2009
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Na sala, dois jovens conversam:

― Ei, Paulo, como vão as coisas?

― Com qual Paulo você está falando?

― Como assim com qual Paulo? Só há você de nome Paulo aqui.

― Há vários!

― Do que você está falando?

― Quantos de nós você vê nesta sala?

― O que é isso, andou bebendo gasolina, pirou?! Somos dois nesta sala!

― Somos quatro.

― Quatro? O que foi que você fumou hoje que eu quero também?

― Você debocha, não é?! Vou lhe provar: aqui nesta sala está a pessoa que eu sou pra mim, mais a pessoa que eu sou pra você, mais a pessoa que você é pra você, mais a pessoa que você é pra mim.

― Mas de que diabo você está falando? Cara, você precisa parar de chupar essa pastilha de menta, isso tá comendo o teu cérebro.

― Quem você acha que eu sou?

― O quê? Eu sei quem você é!

― Você não sabe nem quem você é. Todos nós achamos que somos aquilo que a sociedade nos obrigou a escolher ser. Ela não nos permitiu, nem nos permite sermos o que realmente somos: vários, vários em um, um que são muitos, muitos que escolheram ser um, que acaba não sendo ninguém. Entendeu?

― Cara, você sempre foi esquisito, mas agora está me assustando. Quando foi que você bateu com a cabeça na parede?

― Será que você não entende, é tão simples?! Olhe no espelho, não é você que o cara que você pensa que é você está vendo, é apenas um dos de você, um dos cem mil que você deve ser, sim porque somos uma pessoa diferente para cada pessoa que nos olhar, somos diferentes aos olhos de cada um que nos ver.

― Quer saber de uma coisa? Esse cara aqui vai embora, você é maluco!

― Esse cara qual, o que você é pra mim ou o que você é pra você é?

― Ah, vai pro inferno!

― Mas... eu só quero ajudar você a se entender. Coitado, nem sequer sabe quem ele é.


Este diálogo foi criado por mim, mas poderia muito bem ter sido criado por Pirandello, na voz de seu anti-herói Vitangelo Moscarda, do livro "Um, nenhum e cem mil". Não conhecem a obra? Bem... é o seguinte: Certo dia, Vitangelo Moscarda ― vinte e oito anos, rico e ocioso dono do banco que herdou de seu pai, administrado por dois corrompidos ―, descobre, por intermédio de Dida, sua esposa, que seu nariz cai para a direita. A partir desta descoberta, e de outras na sua fisionomia, que sua esposa faz questão de apontar, conclui que não conhece suas próprias feições, chegando, posteriormente, a acreditar que não conhece a si mesmo. Assim, Gengê ― como Dida o chama ―, desenvolve uma série de questionamentos metafísicos sobre quem ele é, como ver a si mesmo, como é visto pelos outros, quantos somos vivendo no mesmo corpo e que somos tão somente para os outros o que parecemos. Para isso, nosso anti-herói busca desfazer a visão que os outros têm dele, e se livrar do que ele sempre foi para si mesmo, agindo de forma diferente com aqueles que o cercam para lhes demonstrar que ele pode ser outros, que nunca foi quem pensavam que ele era, o que não funciona muito bem, e o leva a situações inusitadas, causando alvoroço em Richieri, sua cidade, e sendo tomado por louco.

No desenrolar de suas “experimentações” e avaliações filosóficas acredita descobrir que é um, vários e até nenhum; também quase é linchado e morto ― por uma mulher que quase enlouquece com suas explicações sobre a desfragmentação do “eu” ―, além de ter um pedido de interdição solicitado a justiça por sua esposa e os administradores do seu banco, depois que ele resolve liquidar o banco para não ser mais chamado de usurário pela população de sua cidade ― alcunha desagradável que credita as atividades de seu banco, semelhantes a usura.

O livro questiona a imposição social que sofremos para abrirmos mão dos vários “eus” que somos por apenas um que será nossa imagem pública, e mostra a fragilidade desse nosso “eu” uno, que pode desmoronar por qualquer motivo barato, como no caso de Gegê que entrou em explanações metafísicas simplesmente porque sua mulher disse que seu nariz caía para a direita. (Pirandello, o autor, também acredita que somos vários e não apenas um, e que não é saudável nos mutilar, escondendo todos os vários que somos).

Se gostam de boa literatura, genialmente escrita e pensada, filosoficamente atual, intrigante e divertida, leia este que é um dos maiores trabalhos, de um dos melhores e mais famosos dramaturgos, poetas, ensaístas e romancistas de todos os tempos, "Um, nenhum e cem mil", do italiano Luigi Pirandello. E reflita sobre quantos “eus” de você andam por aí.

Afinal, quantos “eus” você acredita que tem? Será que todos os seus amigos veem você da mesma forma, será que a forma como você se vê é a mesma como eles veem você?




Livro: PIRANDELLO, Luigi. Um, nenhum e cem mil. São Paulo: Cosac & Naify, 2001.
Imagem: capa do livro descrito na nota acima.

8 comentários :

  1. Com certeza somos muitos...Gosto de Pirandello,mas nunca li este livro,lerei assim que puder, me lembrei do "O Nariz" de Gogol.
    Se for tão bom quanto sua resenha valerá a pena.

    beijos ternos de todas que sou

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  2. Obrigado, Marcia. O livro é melhor que minha resenha. Há até uma entrevista com ele no Brasil, nessa edição, feita por Sérgio Buarque de Holanda, além de outras coisas. A edição é muito bonita, como costumam ser as da Cosac & Naify, com capa dura, sobre capa...

    Um beijo, menina!

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  3. Olá William! Diverti-me muito com essa "pitada" do livro que bem descreves e indica sabiamente, não só isto, também o conflito interno e eterno do "ser ou não ser - eis a questão!" de cada um (ou vários) de nós é algo muito bem explorado ao que parece. Guardarei a indicação com carinho para ler. Bjins e até!

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  4. Oi william!

    Adorei a indicação do livro e da reflexão sobre os vários "eus" que temos e como somos forçados a acreditar que o certo é ter um "eu" só e confundindo isso com falta de personalidade!

    **Tem selo no blog para vc!

    bjos

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  5. Jô,
    Obrigado pelo carinho. Vale a pena ler esse livro, é uma boa explanação sobre a desfragmentação do "eu".

    Um beijo, menina!



    Cristiane,
    Fico sempre feliz com a sua visita. Quanto a essa questão do "eu", isso é algo pouco abordado, e que mereceria mais atenção para que as pessoas se conhecessem e se aceitassem melhor.
    Obrigado pelo selo.

    Um beijo carinhoso!

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  6. Adorei a indicação e vou providenciar o livro. Adoro ler!!
    Tem um desafio pra voce no meu Blog, passa lá.
    Beijinhos
    Elida

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  7. olá William
    tudo bem contigo? anotei a dica...vou ler
    passa no meu blog e pega um selinho sobre ser bioAgradavel (tem um texto explicando)

    bjus e linda semana p ti

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  8. rico e ocioso qum sao me ajudem

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